Iniciação à vida cristã não é aprender dogmas

Mais do que repetir fórmulas, cristãos precisam ser renovados pela transformação espiritual de sua inteligência.

11 de Maio de 2018

 

Por Gilmar Pereira*


Na cultura desenvolvida entre os que participam ativamente na vida da Igreja, quando se fala de iniciação à vida cristã, vem à mente a imagem de batismo e catequese. Acontece que o primeiro sendo ministrado, geralmente, quando se é bebê e a segunda se desenvolvendo na infância e adolescência faz surgir a dúvida sobre a qualidade da iniciação.

 

Mais do que problematizar se é teologicamente fundamentado  ou não o batismo de crianças – e esse nem é o intuito desta reflexão – cabe questionar o processo de cristificação dos que se somam à Igreja, povo de Deus e Corpo de Cristo. Aliás, problema que independe da idade com a qual alguém se torna cristão, algo que é bem visível nas cartas de Paulo.

 

Podemos tomar Efésios como base, particularmente em sua segunda parte (capítulos 4 a 6), que consiste numa exortação aos batizados. Ali, chamando a comunidade a viver na unidade, o apóstolo trata do crescimento e edificação do Corpo de Cristo e, por isso, evoca os temas principais da catequese primitiva: Mudança de vida, revestindo-se do Cristo (Ef 4,17-31), na imitação de Deus (Ef 4,32-5,2), passando das trevas à luz (Ef 5,3-20). A partir daí podemos entender a iniciação à vida cristã como o processo de mudança de vida, de conversão – metanoia, mudança de mentalidade – que consiste em passar da própria vida à vida de Cristo.

 

A meta final é poder dizer com Paulo (Gl 2, 20), “já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim”, o que passa por uma identificação total, conforme o dizer de Filipenses 2,5, “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus”. Entendendo batismo no seu sentido etimológico de mergulho, o batizado não mergulha simplesmente na água, mas na vida de Deus Trindade em Jesus a quem se une e se identifica por meio de sua palavra. Acolher a palavra do Cristo culmina em viver no Espírito de Jesus, tornar-se um com ele e, por ele, viver a vida de Deus, o que é um processo contínuo na vida do cristão, não acabado.

 

Por isso Paulo insiste aos cristãos que eles precisam ser renovados pela transformação espiritual de sua inteligência (Ef 4, 23). Trata-se de uma mudança de mentalidade, do espírito com o qual se vive, de passar da vida velha à vida nova. A vida velha é a do pecado, que, nas palavras de Agostinho, consiste no “amor de si mesmo, até o desprezo de Deus”. Pecado é fechamento em si, seu princípio é o egoísmo. A vida nova, ao contrário, é abertura, é vida em comunhão, tanto com Deus quanto com os outros. Daí a vida nova se dar em comunidade.

 

O centro da iniciação à vida cristã está, portanto, no espírito com o qual o cristão irá viver, o Espírito de Cristo. Não se trata, pois, de um conjunto de códigos e regras, mas de uma maneira de pensar, de sentir, de viver, que é conforme os de Cristo e se adquire pela contemplação de sua palavra. Da Palavra de Deus nos vem seu Espírito. A iniciação à vida cristã é antes introdução no mistério que uma cantilena de dogmas ou conjunto de perguntas e respostas começada pela pergunta “Quem é Deus?” e cuja resposta decorada é “Espírito perfeitíssimo onipotente, onipresente e onisciente”. A iniciação a vida cristã é mistagogia antes de ser Direito Canônico.

 


Iniciação à vida cristã


No artigo Emaús - escuta da vida, anúncio de salvação, Tânia da Silva Mayer pensa a iniciação cristã a partir do processo de abertura dos olhos dos discípulos de Emaús. Ela ressalta que a evangelização não pode prescindir do diálogo sobre as histórias de vida daqueles que estão sendo iniciados, como fez Jesus na narrativa lucana. Desse modo, o tríptico palavra-celebração-testemunho que compõe o processo iniciático deve compreender o anúncio na dimensão de diálogo com a vida daqueles a quem se anuncia o mistério divino.

 

O processo de iniciação cristã consiste em conformar-nos a Jesus; inclusive a nossa missão à dele, que é o anúncio da Boa Nova. Começando no anúncio da Palavra, essa conformação de vida é um continuum que só termina na união definitiva com Deus. Setores da Igreja, esperando que a transmissão da fé iniciasse no seio da família cristã, descuidou do despertar da e para a fé e sua educação, cometendo algumas falhas. Isso faz urgir uma renovação da catequese. Essa é a provocação que Felipe Magalhães Francisco faz no texto A Iniciação à Vida Cristã como Projeto Pastoral.

 

Rodrigo Ferreira da Costa imbrica o anúncio da Palavra e a catequese, entendendo esta como o processo de fazer discípulos, o que se dá pelo mergulho da pessoa na vida da Trindade. Tal inserção se daria pelo ensinamento das palavras do Mestre contidas nas Sagradas Escrituras e na Tradição da Igreja. No artigo A catequese como prioridade permanente da Igreja, ele entende que a tarefa da catequese é preparar pessoas para o seguimento de Jesus, para o discipulado,  por meio da vida em comunidade, o que seria função de todo aquele que já é discípulo e missão principal da Igreja.

 

Boa leitura!

 

*Gilmar Pereira é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE.

 

 

Fonte: http://www.domtotal.com

 

 

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