Fica conosco, Senhor!

É preciso a companhia de Jesus nos caminhos tortuosos de nossa história se quisermos vislumbrar manhãs de ressurreição.

02 de Maio de 2017

 

“Fica conosco” é o convite que os discípulos de Jesus fazem ao peregrino que, depois de longa conversa, ia adiante ao caminho de Emaús. Privilegiadamente, o Evangelista Lucas nos faz saber, a nós leitores e leitoras, que este peregrino da narrativa é o próprio Jesus, que segue com seus discípulos depois da morte e ressurreição. No entanto, esta realidade é desconhecida para os dois que haviam testemunhado tudo o que aconteceu ao Nazareno, em Jerusalém. Lucas deixa isso bastante claro ao afirmar que “os seus olhos, porém, estavam como vendados, incapazes de reconhecê-lo”.

 

Com isso, ele quer afirmar algo além de uma cegueira física, trata-se da incapacidade de compreender o messianismo e a missão de Jesus, gerada por uma esperança equivocada em um messias glorioso que “libertaria Israel”. E depois de perscrutar as Escrituras nas conversas pelo caminho, um convite condensa emoções e expectativas, revelando que alguma coisa mudou.

 

 

Nessa altura dos acontecimentos, o sentimento dos discípulos de Emaús já havia sido transformado. Eles viram com os próprios olhos a sua esperança ruir. Confessaram ao peregrino que seus sonhos morreram na cruz com Jesus crucificado. O desejo da libertação de Israel e da instauração de um tempo novo, de um novo governo, era latente para o povo. Todos esperavam isso, e em Jesus reuniram suas expectativas, uma vez que ele era “um profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo”. Uma esperança fracassada, encerrada tristemente na tragédia que ocorrera a Jesus. Era natural que retornassem para casa “com o rosto triste”, estranho seria o contrário. Porém, o mais curioso nesta cena é a mudança de postura dos discípulos: passam do espanto diante do peregrino que não sabe dos últimos acontecimentos em Jerusalém, para o convite dirigido a ele, para que se hospede com eles em casa, “pois já é tarde e a noite vem chegando”.

 

Certamente, o caminho que percorreram ao lado de Jesus não se fez somente entre pedras e poeiras, mas através das narrativas bíblicas: “começando por Moisés e passando por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, as passagens que se referiam a ele”. Podemos dizes que percorreram a vida mesma de Jesus, ele que é o Caminho que nos conduz a Deus. É nesse trajeto percorrido entre palavras e anúncios que a desesperança começa a ceder lugar à esperança, que o medo começa a ceder lugar à alegria, que o desânimo começa a ceder lugar ao ânimo. No entanto, entre a ardência do coração pelas palavras e a experiência do crucificado-ressuscitado no partir do pão, há o receio pela noite que vem chegando. A noite é também metáfora dos nossos medos, quando nos sentimos mais desamparados e abandonados, quando o sono é já prenúncio da morte. É, então, entre o bem que começam a experimentar pela presença do peregrino com eles e o receio de retornarem à escuridão do medo, que os discípulos de Emaús convidam Jesus para ficar com eles aquela noite.

 

No último domingo, vi vários amigos no Facebook escreverem e compartilharem a frase do Evangelho de Lucas, que foi proclamado nas celebrações dominicais: “Fica conosco, Senhor”. Perguntei-me qual sentido há, ainda hoje, em desejarmos a companhia de Jesus, pedindo para que se hospede conosco, em nossa casa. E no meio dos acontecimentos todos nos quais nos encontramos: o massacre dos trabalhadores rurais e de indígenas, por meio de violenta tortura; o assassinato de jovens estudantes; a procura desenfreada de alguns países, para instaurar mais uma guerra mundial; o roubo dos direitos dos trabalhadores e trabalhadores, por uma Câmara de ladrões e corruptos; a violência desproporcional de policiais contra manifestantes; o ódio vociferado contra quem luta pelos inalienáveis direitos humanos; entre tantas outras coisas; cresce em nós certa tristeza pelo ser humano e pelo mundo, na sua opção pela maldade e pela morte. É preciso a companhia de Jesus nos caminhos tortuosos de nossa história se quisermos vislumbrar manhãs de ressurreição.

 

Não pode haver alegria quando a vida vai mal, quando nos sentimos desgraçados ou quando nossos sonhos e esperanças são frustrados. A tristeza nos paralisa e angustia. Não há luz que possa despontar na escuridão do mundo. E certa nostalgia parece contagiar a todos que pelejam por dias melhores. Jesus é a esperança ganha, que nos ajuda a esperar, contra toda esperança, por um tempo em que a bondade vencerá a maldade, a verdade vencerá a mentira e a coragem vencerá o medo. Enquanto experimentamos mais um tempo de crises, é bom abrir os ouvidos ao que Jesus tem a nos falar, pedindo-o para que fique conosco nessa noite de lágrimas, até que sejamos tocados pela vida plena que não tem fim.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE; Graduanda em Letras pela UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Escreve às terças-feiras. E-mail: [email protected]

 

 

Fonte: http://www.domtotal.com

 

 

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