Francisco quer experimentar a fragilidade amorosa do Filho de Deus para poder sentir e compreender o imenso amor que lhe inspirou solidariedade, gratuidade e cuidado.
20 de Dezembro de 2016
Francisco de Assis, segundo o testemunho de seu mais antigo biógrafo, foi quem, pela primeira vez, encenou o presépio. Conta-nos Tomás de Celano que, três anos antes de sua morte, o Poverello de Assis, movido por um forte desejo de experimentar os sentimentos do “Menino de Belém”, recriou em detalhes a situação e as condições do nascimento do Salvador. Seu coração ardia pelo desejo de ver com os próprios olhos e tocar com suas mãos o cenário de um recém-nascido em meio a um estábulo, para sentir os mesmos sentimentos do Menino Jesus no mistério de sua humilde encarnação. De fato, segundo a narrativa de Celano, “Sua maior intenção, seu desejo principal e plano supremo era observar o Evangelho em tudo e por tudo, imitando com perfeição, atenção, esforço, dedicação e fervor os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina. Estava sempre meditando em suas palavras e recordava seus atos com muita inteligência. Gostava tanto de lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de sua paixão, que nem queria pensar em outras coisas” (1 Cel 84).
Conta-se que, naquela ocasião – dezembro de 1223 no vilarejo de Greccio –, acorreram muitas pessoas para a celebração do Natal. E que a Missa, a pedido de Francisco, foi celebrada ali mesmo no local onde ele havia construído seu presépio. Após a proclamação do Evangelho, Francisco teria pregado docemente ao povo falando do nascimento do “Menino de Belém”. Enquanto isso, conta-nos Celano, “... um homem de virtude teve uma visão admirável. Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê dormindo, que acordou quando o santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato dormindo no esquecimento de muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança” (1 Cel 86).
Este relato encerra em si delicados sabores de uma lenda. E toda lenda, sabemos, traz consigo verdades profundas que se anunciam mediante preciosidades simbólicas. De um lado, Francisco com sua singeleza e simplicidade matinais. Feito uma criança, ele quer ver, sentir, tocar o cenário do nascimento do Menino Jesus em meio aos animais para poder degustar a concretude desta cena. E tudo isso para poder ter os mesmos sentimentos de Jesus que, por amor, se faz menino, criança frágil. Haveria fragilidade maior do que essa? De fato, entre todas as criaturas, haveria criatura mais frágil do que um bebê, um recém-nascido? E, mais ainda, haveria situação mais frágil para um bebê do que nascer em meio aos animais e no ambiente rude de uma estrebaria?
Francisco quer experimentar essa fragilidade amorosa do Filho de Deus para poder sentir e compreender o imenso amor que lhe inspirou tão nobre gesto de solidariedade, de gratuidade e de cuidado. Nesse sentido, Francisco quer recuperar a plasticidade e a singeleza dos mistérios de nossa fé. Pode acontecer de, sem nos darmos conta, teorizarmos demasiadamente nossa fé, abstraindo-a da nossa experiência quotidiana. Separamos e até contrapomos aquelas realidades que o próprio Deus, na encarnação de seu Filho Jesus Cristo, uniu de uma vez por todas, a saber: fé e vida; valores do evangelho e experiência humana.
De outro lado, a intenção de Francisco ao narrar de novo as gestas salvíficas da história da salvação, mediante símbolos reais e sensíveis, torna possível que as pessoas enxerguem o “Menino de Belém” de novo presente entre nós. Só assim, na verdade, tem sentido celebrar o Mistério do Natal. Não teria o menor sabor recordar-se de uma data perdida há séculos. Só se celebra com sentido o mistério do nascimento do Menino Deus quando são recriadas condições para que ele continue nascendo entre nós para transformar e transfigurar nossa vida. Por essa razão, Celano conclui seu relato dizendo que, naquela noite, “todos voltaram contentes para casa” (1 Cel 86). De fato, celebrou-se o Natal. Fez-se memória do mistério da encarnação do Filho unigênito de Deus. Com sua singeleza, Francisco tornou possível que o menino Jesus nascesse de novo nos corações das pessoas e no seio das famílias de Greccio.
*Frei Sinivaldo Silva Tavares, OFM. Frade franciscano. Doutor em Teologia Sistemática. Atualmente é professor desta mesma disciplina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) e no Instituto São Tomás de Aquino (ISTA), ambos situados em Belo Horizonte, MG.
Fonte: http://www.domtotal.com